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No tempo dos faraós, por Samir Keedi

Créditos: Divulgação

Num passado não muito distante existiu uma quase civilização muita estranha. Esse povo tinha algumas manias difíceis de serem entendidas, e eles mesmos não conseguiam saber porque isto ocorria e porque eles eram tão diferentes.
Depois de terem estado subjugados por bastante tempo por uma ferrenha ditadura, coisa que já existia naquele tempo, aliás, este é um defeito crônico da humanidade como se pode perceber, conseguiram obter sua liberdade, retornando ao estado de direito e conseguindo, de novo, eleger seus governantes.

Mas era um povo muito ingênuo, que acreditava em Papai Noel e, portanto, caia em qualquer conversa de candidato. Por mais que sofressem não aprendiam, e cada eleição aparecia como uma nova oportunidade de acerto, o qual nunca ocorria.
O maior problema desse povo é que viviam num país dividido, embora embutidos. Os governantes habitavam uma ilha dentro do país, conhecida também como ilha da fantasia, pela dissociação com a realidade e o povo que governavam, enquanto estes habitavam um grande território, que circundava a ilha dos governantes.

Houve uma certa época em que os Faraós, como eram conhecidos os seus governantes, só pensavam em obras gigantescas, enormes, de grande vulto, de modo a projetar o seu país no exterior. Essas obras, por serem tão grandes, e sempre as maiores do mundo conhecido, acabaram por serem conhecidas como obras faraônicas. Muitas delas não serviam para nada, sendo obras apenas para perpetuação do seu idealizador ou realizador.
Muitas obras deste tipo foram construídas, sendo que poucas tiveram alguma utilidade, enquanto muitas nem sequer chegavam ao seu final, parando em algum ponto entre o início e o fim. Elas somente serviam, como se podia notar, para projetar os governantes, muitas delas para fazer alguns novos ricos.

Com a troca do tipo de governo, a certa altura de sua existência, agora democrático, algumas coisas mudaram, porém, infelizmente, o povo havia desaprendido de votar. Após tantos anos sem treinamento não conseguiam escolher os melhores nomes, e elegiam os primeiros que apresentassem alguma promessa bonita, que afinal o povo não é de ferro. Compreensível, já que, afinal, para quem tinha apenas um pente, um espelho já seria algo de grande utilidade.

Os novos governantes, a exemplo dos antigos, continuaram a iludi-los, fazendo apenas o que lhes interessava, não se importando com os seus desejos. Tinham uma estranha mania de achar que o povo era um caixa sem fundo e passavam a vida aumentando seus gastos, enquanto o povo tinha que reduzir o seu consumo. Com o tempo, o povo percebeu que a sua economia não era para ser poupada e para seu uso, mas para ser transferida aos governantes, no momento certo, para cobrir o seu caixa sem fundo. Isso ocorria sistematicamente e o povo, mesmo não gostando, acatava. Era um povo com vocação eterna para cordeirinho.

Eles nunca tinham sido ensinados a se defender, a reagir e ter amor próprio, e bem por isso só conseguiam reclamar baixinho. Nunca pensaram em ir até a ilha, reunindo suas forças, para cobrar dos seus governantes melhor gestão.
Uma das vontades do povo é que os faraós saíssem de sua ilha, não apenas para irem à suas enormes e bonitas pirâmides, ou para outras faraolândias, mas para seu país, para conhecer seu modo de vida, suas necessidades, e entender porque deviam proceder a algumas reformas.

O povo queria apenas respeito, e nem se importaria com os gastos extras dos seus governantes-donos, conquanto tivessem, pelo menos, uma dentadura e um frango à mesa todos os dias.
Mas, para maior desespero, ao invés das melhorias, a cada dia a situação piorava e os governantes pensavam menos no povo e mais nos seus privilégios, tipo “não pense em que os seus governantes podem fazer por você, mas o que você pode fazer por seus governantes”.

Às vezes apareciam alguns pequenos escândalos que envolviam os poderosos. Diante disso, depois de muito pensar, foi criado, pela sua poderosa ciência, um interessante animal, o bode expiatório, que começou a resolver todos os problemas. Era só puni-lo e pronto, que o problema estaria resolvido.

Quanto a heróis, um dos seus, e muito conhecido, era Marco Polo, um italiano, do século 14, que havia viajado pelo Oriente e, numa de suas andanças, tinha descoberto e levado para seu país o macarrão, que manipulado deu origem à pizza.
Era a solução que os faraós procuravam, e acharam. Agora já tinham algo em que todos os problemas poderiam terminar, e ficou quase impossível pensar na vida sem esse maravilhoso objeto, pois sem ele nenhum de seus problemas poderia ser resolvido.

Outra interessante criação dos faraós foi o bode na sala, história que vem se repetindo há tanto tempo e é muita conhecida e utilizada ainda hoje. Ultimamente o povo tentou algumas manifestações, mas, parece que já passaram e tudo continuará como dantes no quartel de Abrantes.
Bertrand Russel: a principal causa dos problemas do mundo de hoje é que os obtusos estão seguríssimos de si, enquanto os inteligentes estão cheios de dúvidas.

Artigo publicado no jornal DCI, em agosto de 2013.