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Consolidação de carga marítima? Conceito equivocado? Por Samir Keedi

Temos, ao longo do tempo, ouvido com insistência as expressões consolidação e desconsolidação de carga marítima. E, mais do que isto, visto-as escritas em muitos lugares, inclusive como peça publicitária dos NVOCC – Non Vessel Operating Commom Carrier (transportador comum não operador de navio), anunciando “empresas consolidadoras e desconsolidadoras de carga”. Isso ocorre desde o advento dessas empresas.
Qual a lógica, no entanto, da utilização tão amiúde dessa expressão no transporte marítimo de mercadorias unitizadas em container? Infelizmente, nenhuma, na nossa modesta opinião.
Isso será explicitado nas linhas abaixo, com o intuito de deixar claro que as expressões consolidação e desconsolidação de carga no transporte marítimo são um equívoco. Veremos que, na realidade, as únicas expressões aceitáveis são “unitização e desunitização de carga”, procedidas através do ato de ovar e desovar um container. Pode-se dizer, apenas, que existe um trabalho com carga fracionada e que será, posteriormente, unitizada.


Quem conhece o transporte aéreo, ou lida com ele mais frequentemente, sabe que neste modo de transporte, sim, existe a consolidação de carga. Sendo elas, posteriormente, unitizadas. Como costumamos dizer a nossos alunos, num trabalho de formiguinha, a unitização de carga é um ato concreto, enquanto a consolidação é um ato abstrato. Unitização de carga significa a colocação de diversas cargas pequenas, ou grandes, em uma unidade maior, por exemplo, num container. Isso é realizado, entre outras razões, para a facilidade de manuseio, transporte, segurança, etc.

 

A unitização pode ser realizada em qualquer unidade de carga. No entanto, a mais versátil, e de larga utilização e a qual nos ateremos, é o container. Até porque, as expressões em pauta, e sobre a qual estamos trabalhando, se referem a essa unidade de transporte. A consolidação de carga, por sua vez, é um ato abstrato, e pertence ao jargão de transporte aéreo. Por quê? Pela simples razão de que no transporte aéreo a tabela de frete é dividida em faixas. Elas abrangem as cargas até 45 quilos, daí até 100 quilos, a seguinte até 300 quilos, e a partir de 500 quilos. Estando a última faixa a cargo do transporte de mercadorias enquadradas a partir de 500 quilos. Quanto maior o peso da carga, menor o valor do frete por quilo, o que significa dizer que no transporte aéreo a união faz a força e vale a pena.
Como funciona? Ao receberem as cargas de diversos embarcadores, os agentes de carga aérea as juntam num ato chamado de consolidação. A partir do peso da carga total encontrado ela é enquadrada na faixa de frete correspondente. Através desse ato há um barateamento do frete para todos os embarcadores, rateio que é realizado pelo agente. Com isso, todos ganham, os embarcadores, os agentes, bem como os transportadores. Para as empresas de transporte aéreo a vantagem é imensa já que, embora, aparentemente, pareça que elas percam dinheiro, na realidade estão ganhando. Elas possibilitam o embarque da carga, o que não ocorreria com os fretes originais mais altos.
Isso acaba criando “um efeito tostines”, ou seja, com o frete mais barato embarca-se mais, e com mais embarque há uma contínua redução do frete. E, com isso, a carga aérea vai crescendo, com todas as vantagens que isso acarreta. Todos sabem que esse tipo de operação não existe no transporte marítimo, onde o frete é definido independentemente do tamanho da carga ou quantidade de containers. Não existe o frete por faixas de peso, ou redução drástica pela quantidade de containers. Pode-se obter algum desconto na negociação do frete para quantidades maiores, porém, nada muito grande ou oficial como existe no transporte aéreo.
Se esse “efeito tostines” não existe no transporte marítimo, e se o que existe é a unitização de pequenas cargas, então não se pode falar em consolidação de carga marítima, mas apenas de unitização, já que o efeito é concreto de colocação da carga no container.
Quanto ao comum argumento de que a consolidação se deve a existência de um conhecimento de embarque-mãe, por exemplo, do armador, e um conhecimento-filhote, por exemplo, do NVOCC, isso também é um equívoco. Não existe o master nem o house, pela simples razão de que o NVOCC é transportador, não agente de carga. Ele é o transportador do exportador, e o armador é o transportador do NVOCC. Nesse caso, portanto, os dois são transportadores, ou seja, um sendo real e o outro virtual por não ter navio.
Assim, os masters e houses são conhecimentos exclusivos do transporte aéreo, onde a emissão dos dois só é justificada em razão da consolidação, já que o agente de carga aérea não é transportador. O transporte é feito pela empresa aérea, que é a única transportadora da mercadoria do exportador, muito embora haja um conhecimento no meio, o da consolidação do agente de carga.
Artigo publicado na revista virtual Sem Fronteiras, da Aduaneiras, de abril de 2015.